Álbum de estreia do rapper Amiltex apresenta um retrato fiel sobre o cotidiano na favela
Não é de hoje que observamos o quanto o tema “favela” atrai o interesse da indústria cultural,
seja através da produção de filmes, séries, músicas, comerciais, entre outros produtos que
exploram esse universo particular com todo o seu linguajar próprio, seus hábitos, moda e visão
de mundo. Toda essa cultura é utilizada como atrativo quando o intuito é transmitir uma
imagem amigável, alegre e popular, algo que seja “do povo” ou “para o povo”. O problema é
que toda essa “simpatia das quebradas” acaba assim que a propaganda termina. Quando a
criança aparece sorrindo e fazendo malabares no farol, e é ignorada através do vidro do carro.
Quando o som alto nos fluxos na quebrada atrapalha o sono da vizinhança. Quando a tinta
preenche os muros da cidade com grafittes ou pixos. Quando essa imagem da periferia é
desenhada apenas por quem passa bem longe da quebrada. Na tela, tudo é festa, fora dela,
tudo é caos. E é nesse contexto de inspiração caótica que nasce o “Terceiro Mundo”, primeiro
álbum do rapper Amiltex que surge como um retrato fiel das histórias vividas, ouvidas e
presenciadas na quebrada onde mora, a Favela da Água Vermelha, localizada no extremo leste
de SP.
Superando as aparências iniciais, ao ouvir o disco completo, composto por 10 faixas,
percebemos que não se trata apenas de um “cd de rap que fala da realidade”. A obra em si é
quase um trabalho documental, visceral, que não procura fisgar o ouvinte através do “efeito
chiclete”, utilizando de uma sonoridade semelhante ao que ele já conhece, nem através de
algum flow parecido com o de outros Mc’s que se encontram no hype da cena. Aqui, cada faixa
tem seu próprio contexto, seu próprio espaço, e transmitem seu próprio sentimento. Cada
temática abordada nas letras ganha um viés particular, graças a visão única do artista em
momentos que vão do desespero a esperança, da descrença a fé absoluta, da tristeza a
felicidade que pode ser encontrada nos momentos mais simples. Em algumas faixas, é quase
possível sentir a energia densa no ar e o cheiro do baseado que virou fumaça, criando uma
egrégora ideal para que pensamentos tão sólidos pudessem se encontrar e virar rimas, que
viram canções, que chegam aos nossos ouvidos. Destaque para as faixas “Quem tá no Moio?”
onde o rapper rima sobre como é estar em uma noite de rolê na sua quebrada, regada a resenhas, drogas e abuso policial, e também a faixa “Foragido” que apresenta duras críticas ao governo do ex-presidente Bolsonaro e contém um videoclipe com cenas fortes, que você pode assistir aqui;
Para enriquecer o repertório, Amiltex conta com as participações especiais de Diego Diham,
Johnny Germano, FAO, Renan Samam, Mc Ivan, DCazz e DJ Elvis. Referente a parte técnica
criativa, o álbum traz o produtor e rapper Renan Samam (Emicida/Marcelo D2/5pra1) na faixa
“Favela Vai Vencer”, Johnny Germano (que também é videomaker e MC) na música “Foragido”
e as 8 faixas restante foram assinadas pelo produtor e MC Mudd Rodriguez, responsável
também por todo o trabalho de mixagem e masterização do disco.
Por fim, podemos afirmar que o disco é uma experiência sonora que nos leva a uma imersão
completa nesse recorte do tempo vivido pelo artista durante os quase 10 anos em que o
álbum levou para ser composto e produzido, superando todas as dificuldades técnicas,
financeiras e emocionais para que o trabalho pudesse ser concluído.